terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Mentiras Sinceras

*ao som de Venus in Furs - The Velvet Underground.

Sorriu admirado observando a chama verde dançar no copo sobre o líquido azul, e quando a pressão sugou sua mão, ele o girou três vezes suspenso no ar antes de sugar toda a bebida sem deixar o gás se dissipar. Inalou-o envergando a coluna e deixando a cabeça pender para trás. Todos observavam, à luz do televisor que exibia uma lista de músicas.
Algumas pessoas no sofá, outras no chão. Do outro lado da sala, de pé, rente à parede ela o mirava com expectativa e excitação enquanto balançava o corpo hipnotizado, no ritmo da música.
Ele endireitou-se lentamente e abriu um sorriso azul de criança satisfeita, soltando o ar devagar pelas narinas, olhos meio mareados. Cantarolou sem som com a música...Different colors, made of tears...Ainda ouvia os ecos. Jogou o copo, alguém agarrou e serviu uma dose, ele caminhou para ela.
Ela adorava aquela música e algumas daquelas pessoas, não todas. Especialmente ele. Foi rápido. Ele fazia teatro, ela cantava no coral. Ele lhe apresentou Kerouac, ela retribuiu com Billie Holiday. Vodca. Café. Equilibravam-se. Ele entregava-se, ela se continha. Loucura e segurança, o abraço perfeito.
Agarrou-a pelo braço trazendo-a pra perto, rodopiando uma vez como numa dança e roçando a ponta fina de seu nariz subiu-lhe pelo pescoço, algo se remexia dentro dela; sentiu vontade de gritar, mas apenas o apertou com mais força nas costelas. Ele disse "Eu amo esse cheiro" e ela o apertou mais forte contra si e quis dizer que amava seu sorriso ou quando a tocava ou lhe dizia algum poema. Queria sentir seus lábios, queria...
Disse apenas "Eu sei", forçando um sorriso gentil e foi sentar-se no chão, pegando o copo e o isqueiro. Ele ainda de costas inspirou e engoliu a seco o nó na garganta, ela virou a dose. Ele acendeu um cigarro, fitando o céu pela janela que era uma pintura; a Lua minguante, no céu de inverno sem nuvens.
De fato, amavam-se, mas optaram por nunca destruir aquilo dizendo a verdade.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Céu de Vidro.

A cada dia que durmo
E a cada noite que desperto
Eu provo um pouco do veneno do mundo
Parece me levar pra longe

Me faz sentir deserto

Mas é certo que tudo ainda existe
E que algo aqui dentro ainda brilha e resiste
Mesmo que lá fora pareça escuro e um tanto incerto
Precisamos sair pra ver se é seguro

Sermos quem somos sem máscaras, barreiras ou muros

Nada como agora, como que presos
Ao sistema, à vontades alheias
Ou em nós mesmos
Nada à ver com esse vício

Essa maldita cultura de alienação e desperdício

Mas tudo simplesmente continua
O tempo que corrói
O que me nutria, que ainda me destrói
E o vazio que preencho com vinho e noites de lua

Poesia em papel de bar, atividades noturnas

E pela manhã eu descanso e te esqueço
Enquanto a brisa bela sopra as folhas verdes
Eu adormeço e sonho com tempestades de gelo
E olhares escuros de lentes negras e mãos ausentes

Um arrebol exangüe, deveras transparente.

Domingo, de noite.

Era domingo e quando acordou já era noite. Dormira pelo menos umas 15 horas, pra compensar as 46 que atravessou sem descanso.
Sonhara pesadelos todo o tempo; quando dormia assim, em demasia, era atacada pelo seu estoque de fobias. Aracnídeos e essa merda toda.
Sentia-se leve agora. Leve e vazia.
Sentou no sofá, pegou o controle do som e apertou o botão. Já habituado, o aparelho começou a tocar, volume 36, a faixa 3 do disco do Lou Reed. Música perfeita para dias imperfeitos.
Apenas à luz do abajur, notou o esmalte descascado, e encontrou uma garrafa de vinho tinto, pela metade. Ao lado o maço de cigarros, Lucky Strike Originals, sobre a mesa de centro. Pegou os dois, acendeu e tragou, um gole, suspirou a fumaça enquanto apertava o repeat no controle. Mais um gole, outro trago. Olhou pro teto e tentou imaginar um motivo coerente pro fato do vinho parecer tão insosso em sua boca, enquanto na dele, ganhava nuances luxuriosas, ganhava vida. Agora parecia sangue. Filho da puta! Quatro anos a menos e cheirava à loucura. Palavras certas nos momentos exatos, o êxtase, o sorriso displicente, o 'até logo, a gente se fala'. Passos largos e lentos, olha pra trás um olhar esmeralda e dobra a esquina.
Eu, paralisada, ofegante, com a sensação dúbia de ter visto Deus, e um segundo depois não saber se era real. O que é real? Tsc.
Apagou o cigarro, deixou o som ligado.
Domingo, de noite. Adormeceu, olhos borrados de maquiagem.
Não sonhou com nada.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Amor, ainda.

Aqui, na hora quente da noite No quase dia, no ofício ingrato de encontrar palavras De decifrá-las Torná-las menos vazias Enchê-las de significados Sentidos alados de inspiração Alguma emoção Quem sabe até poesia? Falar de amor com insistência Veemência Então talvez o medo de que ele exista Supere o temor de sua inexistência Duvidar talvez seja minha tendência Sou inquieto, insatisfeito Eu quero o fruto proibido O santo cálice, a quintessência Minha maldição é querer! Faz-me continuar a crer Continuar a buscar o que não posso ter E nem ao menos tocar E por enquanto Como que por encanto Eu digo que espero, te espero Só não demores...tanto Meu amor, ainda Temos, quem sabe, tempo Mas tudo finda, perde a cor Ainda, amor.