sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Sobre Cartas e Romance (ou) Coisas em extinção

Na minha humilde opinião, poucas coisas são tão românticas quanto cartas.
Engraçado como as duas coisas soam antiquadas nos nossos dias. Cartas e romance.
Não cabem nesses dias de pressa.
Pressa essa que nos faz querer tudo rápido, rápido, depressa.
Expresso. Um café por favor, antes que eu me esqueça.
Esquece, antes que me aqueça. Já foi.
Acendo um cigarro e busco formas na fumaça cremosa, disforme.
Círculos, fractais, a minha vista embaça. Volto ao começo.
Cartas. Há tempos não escrevo.
Falta motivação. Só apelo para uma carta quando não há saída aparente.
Quando é mais do que urgente, quando fico sem voz pra verbalizar frente-a-frente.
Quando o e-mail ameaça cair no lixo eletrônico ou soar impessoal.
Nunca uso o telefone, fico pensando em como ouvem minha voz.
Acho que ela soa mais bonita na folha, na cabeça de quem lê.
Eu sei, parece estranho e na verdade é. Algo sobrenatural.
Percorrer linha após linha, sentir o cheiro das folhas, se surpreender.
É físico, entende?
Alteração do ritmo cardíaco, o dilatar das pupilas, a absorção das palavras...
Os sentidos agindo, enquanto as palavras fluem e quando chega ao final, voilà!
É quase impossível se sentir impassível aos efeitos de uma carta bem escrita.
Algumas palavras gritam! Em silêncio elas sussurram e se agitam.
Sem qualquer alarde elas tem o poder de fazer o resto do universo desaparecer...
E o que fica é ela. Ela e você. Sempre que você quiser reler...
Então a fumaça me traga de volta dos devaneios.
Num relance, estou de novo no começo.
Romance.
Imagine todas as sensações que uma carta bem escrita causa, vezes três, sem precisar dizer nada.
E o universo novamente desaparece, a cada memória. E a segunda parece domingo de manhã, quando sua canção toca, e o coração dispara e você não vê a hora de vê-la de novo, e agora?
Que tal pegar um papel e uma caneta, um pouco de inspiração, um pouco de som...baixinho...

Talvez nem tudo esteja perdido, Senhor, não deixai coisas tão belas caírem em extinção.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

de vin et de la brise


Rafa acordou tarde demais pra aproveitar tudo o que aquele belo dia de outono oferecia. Já eram quase quatro horas da tarde, e os meninos já deviam estar voltando da caminhada que marcaram na trilha do pico dos urubus, também conhecido como pico 10, o melhor pôr-do-sol de toda a cidade.
Permaneceu ali em seu quarto, sentada em sua cama, fitando o espelho a sua frente. Tinha os lábios ainda vermelhos do vinho barato que havia jorrado noite passada. Como dizia um de seus amigos metido a poeta, "nenhum vinho vem sozinho". Vinho vagabundo, pensou, quase sempre traz é a ressaca moral no encalço, e o bicho pega mesmo no dia seguinte..."É, acho que era isso o que ele queria dizer..."
Mas a noite passada já estava longe, não havia do que se arrepender. Essas noites frias não perdoam, e cada espaço vazio torna tudo mais gelado. Rafa não gostava exatamente das pessoas em geral, mas o calor que vinha delas agradava, e também, elas eram ótimos anteparos diante do vento cortante.
Acendeu um cigarro, e pensou no que faria essa noite, no que faria pra mandar seu pensamento pra longe do caminho ao qual ele sempre acabava se dirigindo. Feito um míssil teleguiado, depois de umas garrafas de mentira del valle, iam direto na direção daquele cara que vivia em uma página já virada. Por vezes sentia raiva de si mesma, e em suas tentativas de entorpecer aquele sentimento que não a abandonava, ("maldita nostalgia!"), ela por vezes acabava mirando e atirando em algum desavisado que cruzasse seu caminho. Isso lhe concedia uma certa liberdade, durante algum tempo, mas logo o interesse se esvaía.
Ninguém ali parecia ter algo realmente importante para dizer. O cigarro se desfaz em cinzas antes que ela se dê conta. "É, não importa quantos desse você fume, eles nunca te deixam inteiramente satisfeita".
Era mais ou menos o que ela pensava em relação aos homens. Por isso, às vezes gostava de brincar com as garotinhas também. Nada sério, curtição mesmo. Às vezes você bebe demais, e quando você percebe, já está dançando em cima da mesa com as garotas, ou trancada no banheiro com a dona da casa. Mas tudo isso passa, e no dia seguinte, é melhor procurar algo pra acordar nessa cidade sonolenta...então depois de um belo banho em ritmo de jazz, ela se arruma, enrola um cigarrinho e sai pra ver o mundo enquanto a noite cai.
Fones no ouvido, ela acende e caminha em direção a cidade. Escolhe o caminho mais solitário, o que significa menos olhares indiscretos e uma menor probabilidade de encontros indesejáveis, a brisa bate suavemente, nos cachos negros dos seus cabelos que se movem no groove dos seus passos, enquanto os últimos resquícios do arrebol se dissipam na imensidão azul marinho do céu.
Suas pupilas dilatadas e olheiras de buraco negro sugam o resto da luz que o dia deixou, e ela caminha tranquila nas sombras. Não importa o que vem pela frente, não importa o que os outros pensam, não, nada disso importa. Tudo está em paz agora, enquanto sua boca seca e seus lábios trincam. Apesar do brilho em seus olhos, a verdadeira fagulha permanece invisível, segura e protegida dentro dela. Apesar das tentativas, nada seria capaz de detê-la.
Outra noite começava, e ela segue caminhando, com sua sede insaciável de vida e vinho.
Um último trago, logo ela teria companhia. Virando a esquina encontrou o poeta caminhando em sua direção, trazia uma garrafa. "Nenhum vinho vem sozinho" os dois disseram juntos, e riram antes do primeiro brinde da noite.
Caminharam abraçados em direção a mais uma celebração.
Comemorariam a inspiração do tédio que possibilita que hajam motivos para celebrar a ausência de comemorações.
Era só mais uma noite fria de outono, mas eles nunca deixam nada passar batido...






sábado, 14 de maio de 2011

Miado


Ouvi um gato miando alto
em algum lugar,
e logo segui seu chamado, encontrei-o preso
acuado
não conseguia se livrar do lugar onde havia se enfiado
na verdade conseguiria, mas sabe-se lá por que
ele tinha medo. e miava, miava
então eu fui
entrei debaixo do carro e disse
- gato! por que vc não sai daí, gato?
aí ele respondeu, miau
e saiu correndo
entrou no quintal de uma casa
e desapareceu
então desconfiei que ele estava ali, talvez
porque ele quisesse
pra afastar a tristeza, miando blues
exigindo alguma atenção.
mas eu fiz a minha tentativa
e ele se foi
de volta ao caminho
fui eu que uivei
uma gata ouviu
olhou, brilhou os olhos
miau, como se hoje não...
então sumiu.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

La Luna


Ela andava confusa em seu refúgio sombrio.
Tanta coisa havia acontecido em tão pouco tempo, pessoas adoráveis surgiram, enquanto algumas desejáveis tinham decidido partir. Buscava o equilíbrio, mas faltava um pouco de risco pra que tudo acontecesse.

Ele andava meio perdido no meio daquela luz toda.
Tinha medo de se aproximar muito, de se sentir novamente entregue a sentimentos que, desconfiava, fossem passageiros, mas que deixariam marcas eternas. Procurava conforto, algum recanto pacífico onde seus medos não o encontrassem.

Certo dia, os dois se encontraram, e foi como um eclipse, lindo e efêmero.
Decidiram então realinhar seus astros, e sempre que possível, orbitavam um ao redor do outro, e prometeram que assim seria até que as estrelas caíssem.
Se caíssem...

Escapismo #1




Acordou com dificuldade,
os sonhos por piores que fossem, eram apenas sonhos.
Restava ainda a sensação de alívio,
havia se livrado mais uma vez de viver aquelas vidas.

Mais um dia começava com outra fuga bem-sucedida.

O que o levaria de volta ao começo, que por melhor que fosse,
era apenas mais um começo.
Restava ainda um sentimento agridoce,
poderia escolher dessa vez algum novo caminho.

E outro novo dia seguia ecoando a velha pergunta:
- de que vale uma vida que se sonha sozinho?

terça-feira, 26 de abril de 2011

e O Silêncio

fechado em meu silêncio
eu abstraio o estrondo exterior
e apenas espero o tempo correr
e ele escorre
eu olho
tento sentir o mínimo
meu ânima sem muito
ânimo
em estado de espera
nem se desespera
respira, acalma
a alma, inspira
a calma (ainda não)
acaba.

As Folhas

uma menina muito branca
caminha sob um céu azul
observando as folhas secas
antes muito verdes
caírem no chão cinza.

ela nem se pergunta porque.

O Vento

o vento do outono novamente me arrepia a nuca
ele sempre traz um pouco da velha desolação
eu me sinto sempre desprotegido quando ele sopra
e me envolve
me faz querer ser envolvido
devolvido
ao lugar de onde nunca deveria ter saído.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Circus Noir

quando as noites se arrastam rumo ao dia
em um strip-tease em câmera lenta
sob a luz branca e cega de uma enorme lua
pessoas se encontram e se perdem
se cospem e se despem e se metem
se comem, e se amam
se escondem, se abrigam
em plena rua, a plenos pulmões eles gritam
e uivam quando ela está no ápice
quente, louca e nua
então sempre mais é o que eles pedem
mais, mais, e mais dela que não é minha
dela que já foste tua e de todos
que vagam sempre procurando algo ou
alguém que possa ser usado, absorvido
inalado ou dissolvido antes que o dia queime
as retinas e revele toda sujeira
toda a insônia e toda infâmia rotineira
alvorecer de toda insânia
esconderijo dos poetas e suas olheiras
mas ela...a noite, sempre volta
então eles recomeçam a correr atrás delas
das puras sujas, das putas puras
das casadas e das donzelas
novas danças e carícias se consumam
até o dia raiar e eles começarem
novamente a morrer...enquanto elas dormem
os poetas de olhos vidrados fumam folhas em branco
ao som dos estampidos
as mães choram seus filhos e os doentes pedem cura
as crianças pedem o leite que seca nos peitos
e a vida continua...