quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Enquanto eu andar distraído...
Alguém me disse outro dia, que quando você está distraído é que as melhores coisas acontecem. A expectativa geralmente é o caminho mais curto para a decepção, e nos faz agir feito idiotas na maioria das vezes. Experiência própria, também, enfim.
Aquela sexta-feira havia começado escrota, céu cinza cheio de nuvens de chumbo, aquele 'chove-não-molha', o tipo de clima que dá vontade de se enfiar num moleton, ligar um The Smiths na vitrola e não sair de casa pra nada. Eu estava tipo aquelas gordinhas depressivas de seriado americano, só que ao invés do sorvete eu comia cigarros. Níveis de misantropia no alerta vermelho, eu não queria ver ninguém. Tinha passado meus últimos 5 dias trancafiado à base de café, trabalhando no meu segundo livro (enquanto o primeiro está nas mãos dos meus editores que a cada 15 dias me escrevem com uma nova desculpa para o fato dele ainda estar engavetado), descontando toda minha raiva e tédio, mas no final das contas eu mesmo acabei descartando esses textos porque na verdade esse livro falaria de AMOR, e quando eu fui ler o que tinha escrito percebi que era um amontoado de coisas tão TRISTES que fariam alguns aviões caírem e a primavera morrer de desgosto.
Deixei para lá. Afinal, minha vida não andava tão ruim assim. Tentei ver as coisas pelo lado positivo (aquela babaquice do copo meio cheio, saca?), morava de favor na casa de parentes, no bom e velho estilo parasita, não que tivesse orgulho disso, mas era a alternativa até que eu me ajeitasse. Rola uma espécie de piedade das pessoas quando você trabalha com arte. Te tratam meio como um doente, um viciado, sei lá, alguém que precisa de ajuda, e eles te ajudam, nas esperança que você uma hora PARE. Mas eu não estava disposto a parar tão cedo. Charles Bukowski se fodeu durante um bom tempo trabalhando nos correios até chegar lá. Rimbaud escreveu dos 15 aos 19 e revolucionou a poesia, depois entrou numas de caixeiro viajante e se mandou pra África onde trabalhou como mercenário até voltar pra morrer em Marseille. Não, eu não ia parar, pra tentar me encaixar em um mundo que eu não quero viver. Nas baias dos escritórios dentro daqueles lindos prédios espelhados. Nem fodendo que eu ia virar mais um palhaço-dentro-da-caixa, preferiria morrer como um escritor mal-sucedido e honesto do que como um multimilionário cheio de sangue e suor dos outros no meu Karma. Mas sinto que divago.
Ainda era sexta (escrota), ouvi tudo que tinha dos Smiths no PC, depois passei pra Radiohead e depois Joy Division e aí cheguei no fundo do poço, peguei impulso na mola e fui tomar um banho. Nada como um banho quente, ainda mais depois de dar uma tostada (já era hora do chá da tarde...), fiquei lá um tempo, deixando a água cair nas minhas costas e pensando em coisas do tipo "como e por que surgiu o Universo" ou "por que as mulheres vão em dupla ao banheiro" ou "por que quem tem o melhor som no carro tem o pior gosto pra música", e isso durou uns 20 minutos, mas depois eu de fato me lavei (isso durou uns 5 min.) e então terminei. - (Desculpe planeta, mesmo tendo alguma consciência eu ainda faço parte desse câncer) - E no fundo acho que a Terra um dia vai nos dar uma bela sacudida como um cachorro cheio de pulgas e estarão todos no mesmo barco seja você um bom menino 'sustentável' ou não. Mas me deixa feliz saber que eu e todos os cretinos e santos do Mundo faremos uma boa ação um dia servindo de adubo pra esse lugar lindo. Mas sinto que divago de novo.
Saí do banho, e ao passar pela sala em direção a área de serviço vi que havia uma nova mensagem na minha caixa de e-mail. Era do Bill, um velho amigo que parecia o Prince. Fashionista havia se formado há pouco tempo, numa das escolas mais tradicionais de Paris. Falava que tinha um trabalho pra mim, se podia encontrá-lo logo mais a noite no novo bar da moda da cidade. Odeio bares da moda. Mas assenti em encontrá-lo para uns drinks e saber sobre o trampo, apesar do meu estilo de vida simples, precisava levantar uma grana.
Finalmente, um pouco de ação, já era hora de sair da toca, ver o que acontecia lá fora. A chuva havia dado uma trégua e eu tinha pelo menos umas duas horas até o nosso encontro. Vesti uma calça jeans (eu tenho duas) rasgada, uma camiseta branca lisa (velha) e meus heróicos converse (surrados), além de uma jaqueta de couro que encontrei em um brechó por 10$, que apesar de ser feminina caía bem em mim, e decidi fazer um esquenta no Old Beer, um boteco mais underground onde geralmente colava uma galera interessante.
Cheguei lá e haviam apenas uma meia dúzia de gatos pingados, e Sal, dono do estabelecimento já chegou me cumprimentando com sua usual simpatia "Eae seu filhodaputa sumido, qual foi, tava doente é?" e eu, "Nem, saco cheio do mundo mesmo, desce ae um conhaque são joão da barra com mel e limão pra mim, antes que eu fique doente de verdade" (um drink medicinal que está na lista de coisas relevantes aprendidas em relacionamentos anteriores), e sem perder o fôlego ele emendou "Você ainda me deve aquelas duas cervejas da semana passada, seu patife", então eu saquei minhas últimas moedas e joguei pra ele "Cobra aí as brejas mas pendura o conhaque seu capitalista do Inferno" e ele pegou e riu e foi fazer minha dose enquanto eu esperava no balcão.
Nesse meio tempo chegaram umas garotas, entre elas, Marina, namorada de um amigo meu. Ela é a coisa mais linda e é uma pessoa muito doce também, veio e me abraçou, as meninas acenaram de longe e sentaram em uma mesa na porta, ela puxou um banco e sentou do meu lado. Sal trouxe o drink, caprichado como sempre "Tomaê cusão", agradeci e quando olhei de volta pra ela percebi que havia algo errado.
"Que foi coração?" e ela disse "Adivinha?" "Nem preciso, vocês brigaram de novo e pelo mesmo motivo" e ela apenas concordou com a cabeça, depois pediu vodka. Fiquei com pena dela. O que realmente acontecia era que o cara que ela amava tinha vergonha dela, por conta de boatos de que ela tinha sido puta no tempo em que morou na Espanha, e se negava a andar de mãos dadas e fazer aqueles programinhas de casal ao lado dela. Eu sabia exatamente como ela se sentia, porque tinha passado por algo parecido, uma ex minha havia me abandonado porque eu era um artista, se sentia constrangida quando perguntavam a ela o que eu fazia e ela dizia e eles perguntavam "e o que mais ele faz?" - enfim - putas e artistas são das classes mais subestimadas nessa sociedade que vivemos, mas na real ninguém sabia de fato se ela era mesmo e não percebiam que isso não tinha a menor importância. Talvez por isso ela se esforçasse tanto pra ser legal com os outros, mas mesmo assim tinha de conviver com comentários de gente imbecil.
Decidi mudar o rumo da prosa, perguntei sobre o trabalho dela, como andava, ela adora falar disso e acabou desencanando um pouco. Contei umas piadas toscas pra fazê-la rir, deu certo. Apesar da minha personalidade maníaco-depressiva, eu gosto de fazer pessoas sorrirem. "E a Isadora?" ela perguntou, "Já esqueci", "e a Melinda?" eu "Tá viva?" "e a Bárbara?" "Não deu certo", "Putz, e a Diva, vocês tinham tudo a ver", "Pois é Má, a gente tinha, haha" e ela caiu na risada.
Faltava meia hora pro meu encontro com Bill, era o tempo de atravessar a cidade, convidei as meninas, disseram que passariam por lá mais tarde, então me despedi, peguei uma via às margens do Centro, saquei uma ponta do maço de cigarros, acendi e caminhei calmamente. Um carro de polícia passou bem do meu lado atravessando a marola, eu acenei e eles acenaram de volta, não tinham tempo pra perder comigo.
Há uns 20 metros do Lab (esse é o nome do bar da moda, estilo futurista, uns drinks que parecem mais aquela poções da bruxa do Pica-Pau, coisa dos moderninhos) já dava pra sentir o burburinho. A playboyzada e as garotas deles, uns hipsters e a galera do eletrônico, vários públicos presentes aguardavam a apresentação da dupla 'Los Mariachis', a sensação do momento, os caras realmente mandam bem, além de serem super gente fina.
Passei distraído (lesado) pelas pessoas e entrei, circulei lá dentro e encontrei Bill sentado em um canto com outro cara. Ele me viu e se levantou "Heeeey Lou, querrido (ele agora tinha um sotaque francês que o deixava muito mais gay do que o habitual), Como você tá pálido, senta 'qui com moi". E ele fez um sinal e o outro cara desapareceu, então me sentei. "E essa barrrba de mamãe não me ama querrido, qu'est-ce que c'est? Tô brrincando, você tá lindo, só prrecisa de um bom banho de Sol" e eu levei na boa, era o bom e velho Bill e pedimos uns drinks e ele me contou que precisava de mim pra um editorial de moda e eu expliquei que não era uma porra de modelo, mas o que ele queria mesmo era alguém que pudesse 'vestir um personagem', era meio que um trabalho de ator então acabei aceitando. A produção começaria em alguns dias, deveria ficar atento ao meu e-mail. E foi aí, no ápice da minha distração, que Ela surgiu - pausa dramática, a cena congela e todos os sons desaparecem como se Deus tivesse apertado o Mute, tudo que ouço é meu coração batendo como se fosse um daqueles tambores japoneses só que na velocidade 5 - o Universo descongela e ela entra deslizando pelo salão, uma Deusa Nórdica, mais ou menos 1,80 com salto alto, cabelos dourados presos elegantemente, blusinha de renda branca, uma saia curta perolada, com ares vintage, meio anos 60, só que sexy, muito sexy. Foi até o balcão e pediu um drink, enquanto isso Bill que não gostava da coisa continuou falando coisas que eu realmente não ouvi e quando percebeu que eu não estava ali ficou um pouco puto e saiu dizendo que me ligava. Mas eu não ligava mais pra nada, só conseguia olhar pra ela, mas ela não olhava pra ninguém.
Juntei os cacos do meu coração, matei minha dose e fui até o balcão, no modo piloto automático. No meio do caminho lembrei que não tinha mais um puto no bolso. Olhei ao redor, a procura dos garçons, e vi nada mais nada menos do que o Chefia, um clássico mestre dos gorós; sempre tivemos uns esquemas e quando ele andou na pior eu dei uma força pra ele, e hoje ele era minha salvação. "E aí Chefia, beleza comandante?!! Desce uma aí pra mim!" e ele na hora foi lá e preparou uma bela caipirinha (ele era um especialista nessa arte) e me trouxe logo dois copos, um pra mim e um para a donzela que estava uns três bancos à direita, cochichou algo no ouvido dela, piscou pra mim (zap, ladrão!) e sumiu na copa. Ligeiro, o velho.
Dei de louco, fiquei mexendo meu drink com o canudo, e meu estômago gelou ao sentir o cheiro dela chegando mais perto. Sentou-se do meu lado. Dei um gole displicente e deixei o copo no balcão. "Hey" ela falou, "muito obrigado, foi muito gentil" - sua voz era doce e me virei para olhá-la e por Deus do céu, era a coisa mais linda que eu já tinha visto com esses olhos queimados de Sol - traços finos e delicados e olhos tristes de quem provavelmente estava ali para esquecer alguém. "Não foi nada, apenas achei que você gostaria de algo mais clássico e com mais teor alcoólico do que essas gororobas que eles preparam aqui normalmente", ela deu um sorriso quase imperceptível e disse "Acertou em cheio, é meu preferido" - (Chefia gênio, pensei) - mas mantive minha melhor pokerface, qualquer demonstração poderia por tudo a perder. "Você parecia meio triste, foi só uma tentativa de alegrar seu dia" - disparei, me sentindo mais confiante (na verdade eu estava bêbado já) no que ela respondeu "Na verdade eu sou assim mesmo, mas com certeza você já alegrou" - e depois dessa foi inevitável, as borboletas mortas do meu estômago ressuscitaram feito fênix, e eu soube que estava perdido de qualquer jeito. "Você por acaso acredita em amor ao primeiro drink?" arrisquei todas as fichas - all in - ela pensou um pouco e o suspense quase me matou - e então ela riu e disse "Aiai, hoje em dia eu não desacredito de nada!" e a partir daí o papo fluiu para todos os lados e dali mesmo curtimos o show. Estava ficando tarde e as pessoas já estavam indo embora. Perguntei se ela gostaria de assistir ao nascer do Sol comigo em um lugar mais calmo e ela disse "Porque não?"
Alguém me disse outro dia, que quando você está distraído é que as melhores coisas acontecem. Talvez seja verdade. Veremos.
terça-feira, 17 de julho de 2012
Hangar
Eu me sento e observo os hangares
e os aviões e a névoa fria que nos envolve
tudo parece distante
fora de alcance, minha vista perde o foco
helicópteros, prédios ao longe
minha alma vaga acima das antenas
mas eu não vejo o horizonte
estou cego e pasmo diante desse vazio sonolento
que abraça a cidade
e bocejo soltando fumaça
na tentativa de despertar em mim
o que está adormecido dentro de todos nós
e mesmo que dessa vida de tentar dar corda
aos nossos sonhos
pouca gente acorde pra perceber
como somos de fato estranhos
eternamente buscando no outro
algum conforto
algum meio de atingir aquela felicidade desconhecida
e sem nome
da qual sempre temos apenas relances
o brilho nos olhos de quem a gente ama
num nascer do sol preguiçoso sobre a cama
comidinha da mãe ao chegar cansado
e quase morto de fome
e tantas outras coisas que passam despercebido
enquanto corremos feito loucos
atrás de dinheiro (meios) ou
de algum sentido (fins)
mas os ponteiros giram e giram
e seu tictac contínuo certos dias
soam feito estampidos
talvez Cronus metralhando
seus próprios filhos oprimidos
que caem feito grãos de areia
em sua ampulheta, destino final
do Destino
e em silêncio eu peço ao Universo
que abra meus caminhos
e me livre de todo desatino
que os homens são capazes
do egoísmo, do flagelo e
todos esses sentimentos fugazes
então mesmo que essa pequena oração
sirva somente a mim como lembrete
ou assistente de vontade
abstração da minha dor nas costas
ou cápsula porta-saudades
que seja
ou quem sabe essas palavras subam feito balão
e caiam num outro canto da cidade
eu iria amar incendiar o coração de alguém
que por ventura captasse essa mensagem
eu não acredito no impossível
talvez vocês não devessem também...
e os aviões e a névoa fria que nos envolve
tudo parece distante
fora de alcance, minha vista perde o foco
helicópteros, prédios ao longe
minha alma vaga acima das antenas
mas eu não vejo o horizonte
estou cego e pasmo diante desse vazio sonolento
que abraça a cidade
e bocejo soltando fumaça
na tentativa de despertar em mim
o que está adormecido dentro de todos nós
e mesmo que dessa vida de tentar dar corda
aos nossos sonhos
pouca gente acorde pra perceber
como somos de fato estranhos
eternamente buscando no outro
algum conforto
algum meio de atingir aquela felicidade desconhecida
e sem nome
da qual sempre temos apenas relances
o brilho nos olhos de quem a gente ama
num nascer do sol preguiçoso sobre a cama
comidinha da mãe ao chegar cansado
e quase morto de fome
e tantas outras coisas que passam despercebido
enquanto corremos feito loucos
atrás de dinheiro (meios) ou
de algum sentido (fins)
mas os ponteiros giram e giram
e seu tictac contínuo certos dias
soam feito estampidos
talvez Cronus metralhando
seus próprios filhos oprimidos
que caem feito grãos de areia
em sua ampulheta, destino final
do Destino
e em silêncio eu peço ao Universo
que abra meus caminhos
e me livre de todo desatino
que os homens são capazes
do egoísmo, do flagelo e
todos esses sentimentos fugazes
então mesmo que essa pequena oração
sirva somente a mim como lembrete
ou assistente de vontade
abstração da minha dor nas costas
ou cápsula porta-saudades
que seja
ou quem sabe essas palavras subam feito balão
e caiam num outro canto da cidade
eu iria amar incendiar o coração de alguém
que por ventura captasse essa mensagem
eu não acredito no impossível
talvez vocês não devessem também...
terça-feira, 5 de junho de 2012
Clandestino
Segunda-feira, dia mundial dos cozidos em todo o globo, eu acordo a tempo de vê-la caminhando pelo quarto só de calcinha e camiseta (ah, o Paraíso!), revirando os armários apressada a procura de roupas para sua caminhada matinal, eu não sei de onde ela tira tanto pique, e enquanto eu limpo o para-brisa da minha vista ela diz que eu tenho que ir, ela tem um tom um pouco seco, está chateada comigo por alguma idiotice da noite anterior, então eu pego minhas roupas e me visto mecanicamente, a minha cabeça pesa.
O pai dela está na cozinha lendo um jornal ou comendo uma torrada ou qualquer coisa do tipo, e ele não pode nem sonhar que existe um clandestino como eu dormindo pelado na casa dele – eu ainda tenho amor por essa vida – então ela sai na frente, mas no corredor ela se vira e diz um “te amo” ainda ressentido e eu só sorrio e digo “também te amo” e ela vai e para na porta da cozinha e puxa assunto com o velho dela, é minha deixa, eu deslizo, alcanço o quintal como um gato vagabundo, pulo o portão num movimento rápido e caio na rua como se nada tivesse acontecido.
Estou seco e trêmulo por um copo d'água. Maldito conhaque, mas agora é tarde, o Sol da manhã simplesmente queima minhas retinas, eu paro em uma padaria e tomo três copos d'agua e um café. Saio e acendo um cigarro com gosto de chorume, dou dois tragos e jogo fora. Ahh.
Continuo minha caminhada, só quero chegar em casa e morrer. Sigo pensando nela, naquela pele lisa, nos olhos e seu sorriso, naquelas curvas que Deus planejou pra me ver derrapar e perder o controle, garoto esperto, conseguiu. Odeio chateá-la, nunca é por mal, mas acaba acontecendo, porque no fundo eu sou só mais uma alma perdida nessa existência, e logo agora que eu encontrei alguém (re-encontrei?), o medo de que tudo isso vire nada antes que tudo aconteça me amortece.
Eu não sou idiota, eu sei que eu sou tudo que ela quer, mas não tenho o que ela precisa, ela acha que eu não posso mudar esse meu jeito, a minha forma de ver as coisas, de viver a vida de uma maneira despreocupada que soa como a mais pura irresponsabilidade aos olhos das pessoas e eu entendo, talvez eu não possa mudar isso – tão rápido – e isso meio que deixa as coisas numa corda bamba. O fato de eu não ter um puto no bolso nem pra uma porra de um sorvete às vezes, me rebaixa a categoria dos párias da sociedade, não importa se eu sou um ser humano de bom coração ou que eu escreva livros, ou limpe a casa pra minha mãe ou os meus planos de rodar o mundo, todos estão completamente céticos e isso é tão triste e desolado.
Eu chego em casa, tomo café e desmaio. Acordo atrasado, tomo um banho de gato, calço meus sapatos e saio correndo pra pegar o Ônibus Azul rumo à escola preparatória de homens alados, lá aprendemos a tecer asas e alçar voo, à caçar e construir abrigos, muito interessante, não era bem o que eu planejava, mas pode ser uma maneira de retribuir à minha mãe todo o cuidado que ela teve, até porque ela já está ficando cansada e meu tempo é curto e eu preciso dar um jeito de ajudá-la, então todos os dias eu pego o Ônibus, apertado entre as pessoas que tem de sair daqui se quiserem alguma sobrevida, já fiz até alguns amigos descartáveis, mas geralmente eu fico quieto a viagem toda, rabiscando ou lendo alguma coisa. Pensando que tudo isso não pode ser em vão, que o Tempo não pode me engolir antes que eu faça algo notável, que eu não posso parar enquanto eu não chegar lá onde eu quero, mesmo sabendo que quando eu chegar lá eu já vou querer chegar mais além e assim sucessivamente até que eu me torne obsoleto aqui nesse Mundo.
Tudo corre normalmente, até que é hora de voltar, mas começa a chover torrencialmente na Megapólis e eu não tenho guarda-chuva e nenhuma alma boa me oferece uma carona, então eu vou assim mesmo desviando das poças, mas no caminho rola uma trégua e eu chego no ponto com dinheiro a menos porque na correria caíram umas moedas, então eu acendo um cigarro e fumo pensando no xaveco que vou dar na cobradora pra ela me deixar ir embora, mas acaba que eu só jogo uns trocados na mão dela, e olho com aquela cara de fodido tipo “isso é tudo que eu tenho, põe na conta do chefe” e ela entende e me deixa passar.
Eu me sento na janela, observo os carros, penso sobre onde todos estão indo, ou sobre onde eles pensam que vão, e pra onde eu vou, se vai ter alguém esperando por mim, o clandestino, mas na viagem toda o telefone nem se mexe, as pessoas descem do Ônibus uma a uma, em silêncio, que nem chega perto do meu grande silêncio sorumbático vibrante que espera um bom motivo pra gritar e se desfazer, mas é só mais uma segunda como qualquer outra, e eu odeio segundas e no final das contas eu agradeço a Deus no banho – eu não vou à igreja - por ter sobrevivido a mais uma dessas e o Mundo segue seu giro, ela deve estar debaixo das cobertas quentinhas do seu quarto de onde eu quero fugir quantas vezes forem preciso, talvez pensando em mim, ou simplesmente à procura de uma receita de choconhaque na internet.
Então eu deito e apago e sonho com rockstars mortos há décadas.
O pai dela está na cozinha lendo um jornal ou comendo uma torrada ou qualquer coisa do tipo, e ele não pode nem sonhar que existe um clandestino como eu dormindo pelado na casa dele – eu ainda tenho amor por essa vida – então ela sai na frente, mas no corredor ela se vira e diz um “te amo” ainda ressentido e eu só sorrio e digo “também te amo” e ela vai e para na porta da cozinha e puxa assunto com o velho dela, é minha deixa, eu deslizo, alcanço o quintal como um gato vagabundo, pulo o portão num movimento rápido e caio na rua como se nada tivesse acontecido.
Estou seco e trêmulo por um copo d'água. Maldito conhaque, mas agora é tarde, o Sol da manhã simplesmente queima minhas retinas, eu paro em uma padaria e tomo três copos d'agua e um café. Saio e acendo um cigarro com gosto de chorume, dou dois tragos e jogo fora. Ahh.
Continuo minha caminhada, só quero chegar em casa e morrer. Sigo pensando nela, naquela pele lisa, nos olhos e seu sorriso, naquelas curvas que Deus planejou pra me ver derrapar e perder o controle, garoto esperto, conseguiu. Odeio chateá-la, nunca é por mal, mas acaba acontecendo, porque no fundo eu sou só mais uma alma perdida nessa existência, e logo agora que eu encontrei alguém (re-encontrei?), o medo de que tudo isso vire nada antes que tudo aconteça me amortece.
Eu não sou idiota, eu sei que eu sou tudo que ela quer, mas não tenho o que ela precisa, ela acha que eu não posso mudar esse meu jeito, a minha forma de ver as coisas, de viver a vida de uma maneira despreocupada que soa como a mais pura irresponsabilidade aos olhos das pessoas e eu entendo, talvez eu não possa mudar isso – tão rápido – e isso meio que deixa as coisas numa corda bamba. O fato de eu não ter um puto no bolso nem pra uma porra de um sorvete às vezes, me rebaixa a categoria dos párias da sociedade, não importa se eu sou um ser humano de bom coração ou que eu escreva livros, ou limpe a casa pra minha mãe ou os meus planos de rodar o mundo, todos estão completamente céticos e isso é tão triste e desolado.
Eu chego em casa, tomo café e desmaio. Acordo atrasado, tomo um banho de gato, calço meus sapatos e saio correndo pra pegar o Ônibus Azul rumo à escola preparatória de homens alados, lá aprendemos a tecer asas e alçar voo, à caçar e construir abrigos, muito interessante, não era bem o que eu planejava, mas pode ser uma maneira de retribuir à minha mãe todo o cuidado que ela teve, até porque ela já está ficando cansada e meu tempo é curto e eu preciso dar um jeito de ajudá-la, então todos os dias eu pego o Ônibus, apertado entre as pessoas que tem de sair daqui se quiserem alguma sobrevida, já fiz até alguns amigos descartáveis, mas geralmente eu fico quieto a viagem toda, rabiscando ou lendo alguma coisa. Pensando que tudo isso não pode ser em vão, que o Tempo não pode me engolir antes que eu faça algo notável, que eu não posso parar enquanto eu não chegar lá onde eu quero, mesmo sabendo que quando eu chegar lá eu já vou querer chegar mais além e assim sucessivamente até que eu me torne obsoleto aqui nesse Mundo.
Tudo corre normalmente, até que é hora de voltar, mas começa a chover torrencialmente na Megapólis e eu não tenho guarda-chuva e nenhuma alma boa me oferece uma carona, então eu vou assim mesmo desviando das poças, mas no caminho rola uma trégua e eu chego no ponto com dinheiro a menos porque na correria caíram umas moedas, então eu acendo um cigarro e fumo pensando no xaveco que vou dar na cobradora pra ela me deixar ir embora, mas acaba que eu só jogo uns trocados na mão dela, e olho com aquela cara de fodido tipo “isso é tudo que eu tenho, põe na conta do chefe” e ela entende e me deixa passar.
Eu me sento na janela, observo os carros, penso sobre onde todos estão indo, ou sobre onde eles pensam que vão, e pra onde eu vou, se vai ter alguém esperando por mim, o clandestino, mas na viagem toda o telefone nem se mexe, as pessoas descem do Ônibus uma a uma, em silêncio, que nem chega perto do meu grande silêncio sorumbático vibrante que espera um bom motivo pra gritar e se desfazer, mas é só mais uma segunda como qualquer outra, e eu odeio segundas e no final das contas eu agradeço a Deus no banho – eu não vou à igreja - por ter sobrevivido a mais uma dessas e o Mundo segue seu giro, ela deve estar debaixo das cobertas quentinhas do seu quarto de onde eu quero fugir quantas vezes forem preciso, talvez pensando em mim, ou simplesmente à procura de uma receita de choconhaque na internet.
Então eu deito e apago e sonho com rockstars mortos há décadas.
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Um trecho
[Extraído do meu ainda inédito "Crônicas do Telemarketing"] :
"Se o Inferno é a repetição, as ilhas de telemarketing flutuam no mar de lava do 8º círculo do Submundo.
Incubus e Succubus ofertando descontos em aparelhos celulares; criaturas grotescas repetindo mantras mal escritos que ecoam até o alto das antenas das cidades encantando pobres mortais sedentos por comunicação sem limites e novas tecnologias.
A cada aceite as criaturas gozam e seus olhos flamejam e mais um pedaço de alma fresca alimenta o sistema digestivo do Grande Sistema carnívoro que por sua vez caga sobre a superfície do planeta poluindo com seus dejetos os quatro cantos do globo."
(...)
terça-feira, 17 de abril de 2012
A voz
Me fala
me toca com sua alma
ao menos, fala
deixa sua voz entrar em mim
logo de uma vez
pra ver se esqueço todo o bem
que você me fez
e toda calma que você me traz
quem sabe você me pedindo
eu abstraia essa ausência de sentido
esqueça que me falta o toque
e uma peça chave desse quebra-cabeça
então fala
me convença que o vazio que eu deixei
te completa mais que a minha presença
talvez assim essa dor silenciosa
desapareça no ar junto com sua voz
e sua essência
suave, efêmera...
me toca com sua alma
ao menos, fala
deixa sua voz entrar em mim
logo de uma vez
pra ver se esqueço todo o bem
que você me fez
e toda calma que você me traz
quem sabe você me pedindo
eu abstraia essa ausência de sentido
esqueça que me falta o toque
e uma peça chave desse quebra-cabeça
então fala
me convença que o vazio que eu deixei
te completa mais que a minha presença
talvez assim essa dor silenciosa
desapareça no ar junto com sua voz
e sua essência
suave, efêmera...
Uma réstia de sol
Eu quero de volta o brilho nos olhos
e o sorriso que me contamina
e que chega antes do toque que arrepia
o beijo que umedece e precede
o ar que sai dos seus pulmões e me aquece
a pele, o tato das mãos que agarram sem pretensão
de soltar
cheias de calor que enlouquece e preenche
isso sem falar dos cabelos que espalham
o cheiro fresco de banho pelo ar e
das omoplatas feito alças pra pegar ou
da curva que desce pelas tuas costas
para eu deslizar até suas pernas que me enrolam
feito cobras
e subir dizendo baixo em seu ouvido
aquilo que tu gostas de ouvir
dizer que se não for pra te amar
eu prefiro partir e esquecer de lembrar
que você existe em qualquer lugar
fora de mim
é triste que no final das contas
o amor seja assim
um sim
depois um não
depois o fim
(então penso que se é amor não pode ter fim)
então invento um novo início
onde todo o sofrimento e suplício
já havia sido vivido noutro dia
e o que resta é uma manhã de domingo
uma réstia de sol que alcança nossos pés na cama
e um abraço longo ao invés do bom dia...
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Minha Boêmia (Fantasia)
"Lá ia eu, de mãos nos bolsos descosidos;
Meu paletó também tornava-se ideal;
Sob o céu, Musa! Eu fui teu súdito leal;
Puxa vida! A sonhar amores destemidos!
O meu único par de calças tinha furos.
- Pequeno Polegar do sonho ao meu redor
Rimas espalho. Albergo-me à Ursa Maior.
- Os meus astros nos céus rangem frêmitos puros.
Sentado, eu os ouvia, à beira do caminho,
Nas noites de setembro, onde senti tal vinho
O orvalho a rorejar-me as fronte em comoção;
Onde, rimando em meio à imensidões fantásticas,
Eu tomava, qual lira, as botinas elásticas
E tangia um dos pés junto ao meu coração!"
[ Arthur Rimbaud ]
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