quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Ela e Ele

Era uma noite de sexta-feira, Ela havia saído de casa apressada, à procura de algo ou alguém, não sabia ao certo, andava tão confusa ultimamente. Sabia apenas que precisava dissipar aquela nuvem obscura de dúvidas e vontades que pairava sobre sua cabeça, e enquanto pensava sobre essas coisas Ele apareceu pedindo fogo, Ela ofereceu seu isqueiro e Ele o agarrou um pouco trêmulo e acendeu um cigarro enquanto Ela o observava estudando sua expressão que parecia entediada e levemente desesperada também.
Ele sentou-se em frente a uma loja fechada e recostou-se na porta de ferro displicentemente, devolveu o isqueiro e balbuciou um "obrigado" quase inaudível. Ela sentou-se ao seu lado, Ele não pareceu surpreso, "deve estar perdida também", pensou, e enquanto Ela começava a puxar assunto, seu olhar a transpassava e a todo o resto, não que procurasse de fato algo, ou alguém, mas Ela seguia lhe falando sobre pessoas que Ele nem conhecia, então começou a contagem regressiva que sempre fazia, "depois desse cigarro eu vou embora", pensou, ignorando que era o terceiro cigarro que fumava com esse intuito.
Na verdade, Ela havia ensaiado coisas para dizer a Ele quando houvesse coragem e oportunidade, e Ela contava apenas com o segundo fator e não estava seguindo o script, estava perdendo a mão da cena; Ele ouvia o que Ela dizia, às vezes respondia com monossílabas ou meio evasivo, tragando o cigarro e soprando fumaça na brasa, que a essa hora alcançava o filtro.
Quando Ele deu o último trago, Ela sabia que o próximo passo seria Ele ir embora, mas antes que Ele jogasse fora seu cigarro, Ela sacou um e segurou a mão dele, deslizando até seus dedos, pegou a bituca ainda viva e a encostou na ponta do cigarro apagado, acendendo-o em um trago longo, soprou a fumaça na direção do rosto dele, por querer.
Ele abanou o ar e franzindo o cenho, perguntou meio irritado, "você quer me beijar, ou só me matar mais rápido mesmo?", Ela riu e passou à Ele o cigarro, "só queria um trago!" disse Ela, com a sensação de ter acertado no alvo.
Agora Ela reclamava de algum professor, e Ele parecia agora mais interessado, se não no assunto, talvez nas poses coreografadas que Ela usava sem dó; mexia no cabelo e sorria bonito e depois mexia nos botões da blusinha, como se dissesse "olhe pros meu peitos, não são lindos?", e bem, na realidade eram, então Ele resolveu adiar sua partida mais alguns cigarros.
Ele não estava elétrico como costumava ser, mas mantinha aquele charme sombrio, com olhos de mistério que deixavam a todos em suspense esperando sua próxima frase que nunca era óbvia, e podia ser profunda, naquele seu jeito de disfarçar melancolia com sarcasmo, ou simples e terrívelmente engraçada, nunca se sabia, e Ela sabia apenas que queria toda sua atenção para si, até que não lhe restasse escapatória a não ser para o lado dela.
Ele estava vulnerável. O amor de sua vida havia deixado claro, "não podiam ficar juntos", e depois de lhe pedir que "se cuidasse", simplesmente sumiu numa noite de lua cheia, deixando-o desolado e perplexo, seus sentidos abandonando-o, tornando-o cego, surdo, mudo e insensível; lembrou-se, naquela noite alguém tirou o chão debaixo de seus pés, atirando-o fundo nas trevas patéticas do desamor e do abandono, naquela noite tristemente linda.
Despertou do devaneio sorumbático notando a presença de outra garota, que insistia para que Ela a acompanhasse a algum lugar, Ela somente olhava a amiga que não a ouvia gritando por dentro "não! não!", então olhou para Ele, que fingia estar distraído e voltou a olhar para a amiga que se conformou e foi sozinha, depois de pedir que a esperasse voltar.
Essa foi a deixa para que Ele jogasse fora seu cigarro como se jogasse seu passado recente e infeliz junto, então olhando-a decidido, perguntou já de pé "é agora que a gente some, ou você só vai me desejar boa noite?", e Ela agora tinha uma expressão de surpresa e alegria reais, e depois de um instante de dúvida Ela disse "pra onde?", e Ele reagiu lhe dando a mão para que se levantasse, e dizendo que sabia de um lugar.
Andaram rápido e subiram uma rua, afastando-se do centro da cidade, Ele a puxou pelo braço para dentro de uma espécie de construção abandonada, onde alcançaram uma varanda grande no alto, estava apropriadamente escuro, Ela estava excitada e seu coração bateu forte como nunca quando Ele a encostou na parede e beijou-a frenéticamente os lábios, depois percorrendo seu pescoço e nuca, ao mesmo tempo em que abria sua blusa e acariciava-lhe os seios e tudo era êxtase e os dois ousavam e improvisavam movimentos e entrelaçavam-se cheios de ânsia, e logo estavam no chão sob um teto magnífico de estrelas, num frenesi de mãos e línguas, palavras soltas e unhas...
Ele rolou e logo estava por cima dela, beijou-lhe a barriga lisa, deslizando para baixo, alcançou e abriu-lhe o botão de seu jeans com os dentes, e quando tateou e encontrou o zíper, sentiu a mão dela sobre a sua e a olhou nos olhos para saber o que havia de errado.
Ela tinha um olhar entorpecido e quase suplicante, mas olhava-o com vontade quando disse "você só precisa dizer duas palavras", e sustentou aquele olhar de expectativa enquanto esperava uma resposta que pairava naquele ar na forma de silêncio absurdo e terrível.
Ele a olhou como se não houvesse entendido direito, e naquelas frações de segundos seguintes, Ele pensou em simplesmente mentir e aproveitar o momento, talvez fosse o que Ela queria que Ele fizesse; dissesse o que Ela queria ouvir, mas isso significava arcar com o peso daquelas palavras depois. Pensou também em algo enormemente cretino pra dizer em duas palavras, algo que faria Bukowski corar, mas também não disse.
Ela o fitava, e por um instante pareceu que Ele iria sorrir e dizer, mas o que parecia um sorriso de canto, retorceu-se e transmutou-se em algo que parecia confusão, depois desapontamento. Ele se levantou, acendeu um cigarro e olhou para as luzes da cidade, Ela encostou a cabeça no chão e apertou os olhos com as mãos, sentindo-se estranha.
Ele apagou o cigarro na metade e disse que tinha de ir embora. Ela disse "eu também", com a voz meio que falhando.
Desceram juntos e foram para lados contrários.
Ela chegou em casa, tomou um banho, chorou e dormiu convencida de que Ele valia a pena.
Ele chegou e foi direto dormir, decidido a deixar tudo como estava.

Um comentário:

Aurora disse...

Gosto muito desse conto - parece que já aconteceu comigo. Parece não, já aconteceu mesmo. A tensão quase palpável do não-dito que se perde em um emaranhado labirinto de entrelinhas...